IRACEMA_José de Alencar

TEXTO ORIGINAL: José de Alencar

ADAPTAÇÃO: Everaldina Pinto de Oliveira

PERSONAGENS
IRACEMA: Isabel
MARTIM : Tayronne
PAJÉ : Paulo Eduardo
CAUBI: Reinaldo
INDIAS : Bruna Resende, Carolina, Beatriz


CENÁRIO

FLORESTA/ RIO, ESTEIRA, GAMELAS, POTES, CUIA, CACHIMBO, BARCO DE PAPEL
DIRELÇAO: Everaldina e Simone
SONOLRIZALÇAO: Vladir
FIGURINOS: Silvana Melo

CENA 01_ INDIAS ENTRAM COM O PAJÉ. ELSES SE ASSENTAM NA ESTEIRAS E ELAS FICAM EM VOLTA. ENTRA IRACEMA
Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado. Mais rápida que a corça selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.

MÚSICA...

CENA 02_IRACEMA ANDA PELA FLORESTA
Um dia, ao pino do Sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Iracema saiu do banho: o aljôfar d'água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva. Enquanto repousa, emplumam das penas do guará as flechas de seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste.

MÚSICA....

Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se.
MÚSICA_ BARULHO DE MAR . ENTRA MARTIM
Diante dela e todo a contemplá-la está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.

CENA 03_ IRACEMA ACERTA MARTIM COM A FLECHA
Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na face do desconhecido.
De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da espada; mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d'alma que da ferida.
( MARTIM CAI)
O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto não o sabe eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba, e correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara.
( IRACEMA CAI SOBRE ELE)
A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a flecha homicida: deu a haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta farpada.

MÚSICA...

CENA 04 ( IRACEMA CARREGA MARTIM ATÉ A TRIBO)
O estrangeiro seguiu a virgem através da floresta.
Quando o Sol descambava sobre a crista dos montes, e a rola desatava do fundo da mata os primeiros arrulhos, eles descobriram no vale a grande taba; e mais longe, pendurada no rochedo, à sombra dos altos juazeiros, a cabana do pajé.

MÚSICA... ( A TRIBO SE MOVE_ AS INDIAS SE LEVANTAM E O PAJE FAZ FUMAÇA...)

O ancião fumava à porta, sentado na esteira de carnaúba, meditando os sagrados ritos de Tupã. O tênue sopro da brisa carneava, como flocos de algodão, os compridos e raros cabelos brancos. De imóvel que estava, sumia a vida nos olhos cavos e nas rugas profundas.
(AS INDIAS SE AFASTAM E O PAJÉ SAI DE CENA)
O chefe desapareceu entre as árvores.

CENA 05 ( MARTIM E IRACEMA SE DEITAM NA ESTEIRA)
MÚSICA ROMÂNTICA

A virgem sempre alerta, volveu para o cristão adormecido; e velou o resto da noite a seu lado. As emoções recentes, que agitaram sua alma, a abriram ainda mais à doce afeição, que iam filtrando nela os olhos do estrangeiro.
Desejava abrigá-lo contra todo o perigo, recolhê-lo em si como em um asilo impenetrável. Acompanhando o pensamento, seus braços cingiam a cabeça do guerreiro, e a apertavam ao seio. A boca do guerreiro pousou na boca mimosa da virgem. Ficaram ambas assim unidas como dois frutos gêmeos do araçá, que saíram do seio da mesma flor.
MÚSICA....

Mas quando passou a alegria de o ver salvo dos perigos da noite, entrou-a mais viva a inquietação, com a lembrança dos novos perigos que iam surgir.
A alvorada abriu o dia e os olhos do guerreiro branco. A luz da manhã dissipou os sonhos da noite, e arrancou de sua alma a lembrança do que sonhara. Ficou apenas um vago sentir, como fica na moita o perfume do cacto que o vento da serra desfolha na madrugada.
Não tinha sorrisos, nem cores, a virgem indiana; não tem borbulhas, nem rosas, a acácia que o sol crestou; não tem azul, nem estrelas, a noite que enlutam os ventos. Naquele momento a virgem tabajara guardiã da floresta da Jurema dá lugar à esposa.

CENA 06 (MARTIM SAI DE CENA)
O guerreiro do mar deixou as margens do rio das garças, e caminhou para as terras onde o Sol se deita
Nessa hora em que o canto guerreiro dos potiguaras celebrava a derrota dos Guaraciaba, o primeiro filho que o sangue da raça branca gerara nessa terra da liberdade via a luz nos campos da Porangaba.
(AS INDIAS AJUNDAM IRACEMA NO PARTO)
Iracema cuidou que o seio rompia-se; e buscou a margem do rio, onde crescia o coqueiro. Estreitou-se com a haste da palmeira. A dor lacerou suas entranhas; porém logo o choro infantil inundou todo o seu ser de júbilo.
(AS INDIAS SAEM E DEIXAM IRACEMA COM O BEBÊ)
A jovem mãe, orgulhosa de tanta ventura, tomou o tenro filho nos braços e com ele arrojou-se às águas límpidas do rio. Depois o suspendeu à teta mimosa; seus olhos então o envolviam de tristeza e amor.

CENA 07 (MARTIM RETORNA À CENA)
O cristão moveu o passo vacilante. De repente, entre os ramos das árvores, seus olhos viram, sentada à porta da cabana, Iracema com o filho no regaço . Seu coração o arrastou de um ímpeto, e toda a alma lhe estalou nos labioso nome_ Iracema!...
A triste esposa e mãe só abriu os olhos, ouvindo a voz amada. Com esforço grande, pode erguer o filho nos braços e apresentá-lo ao pai, que o olhava extático em seu amor. Seu nome é Moacir O "filho da dor" _fruto da união entre o índio e o branco. É o símbolo da miscigenação brasileira.

(IRACEMA ENTREGA O BEBÊ A MARTIM)

Pousando a criança nos braços paternos, a desventurada mãe desfaleceu como a jetica se lhe arrancam o bulbo. O esposo viu então como a dor tinha consumido seu belo corpo; mas a formosura ainda morava nela, como o perfume na flor caída do manacá.
Iracema não se ergueu mais. O terno esposo, em quem o amor renascera com o júbilo paterno, a cercou de carícias que encheram sua alma de alegria, mas não a puderam tornar à vida: o estame de sua flor se rompera.

MÚSICA triste

- Enterra o corpo de tua esposa ao pé do coqueiro que tu amavas. “Quando o vento do mar soprar nas folhas, Iracema pensará que é tua voz que fala entre seus cabelos.”

MÚSICA triste FINAL_ MATIM LEVANTA O BEBÊ E TODOS RETORNAM À CENA, PORÉM IRACEMA CONTINUA NO CHÃO